Em operação no Brasil desde 2018, as empresas de apostas esportivas – também conhecidas como bets – conquistaram uma fatia de mercado no país em um ritmo sem precedentes. Com publicidade e patrocínios massivos junto às principais competições, equipes e atletas do país, as bets “pegaram” no Brasil.
O que não estava em jogo, porém, eram os reflexos preocupantes que elas trariam: vício em apostas, comprometimento do orçamento e endividamento, num ciclo sem fim alimentado pela compulsão pelo jogo. Afinal, quais os impactos das bets na saúde mental e financeira dos brasileiros?
Brasil: uma aposta que “deu green” para as bets
Muito populares na Europa, Ásia e Estados Unidos desde meados dos anos 2000, as empresas de apostas on-line foram autorizadas a operar no Brasil no final de 2018. Até então, a única forma de se apostar no país era através de jogos organizados pela loteria federal. Hoje, cerca de 2 mil empresas todas estrangeiras, operam no Brasil.
A aposta das bets deu certo no Brasil graças à nossa relação histórica com jogos de azar e de apostas, a exemplo das corridas de cavalo e das primeiras casas do tipo, que desembarcam no país por volta do século XVIII.
Já em 1892, no Rio de Janeiro, o barão João Batista Viana Drummond criou o Jogo do Bicho para financiar um zoológico de sua propriedade. Mesmo proibido por Getúlio Vargas em 1941 através da Lei das Contravenções Penais, o jogo ainda segue em atividade no país.
Poucos negócios poderiam dar tão certo em tão pouco tempo no país como as das plataformas de apostas esportivas: entre 2021 e 2024, o setor cresceu nada menos que 7.346%. Todos os meses, cerca de 3,5 milhões de brasileiros acessam alguma plataforma pela primeira vez, de acordo com uma pesquisa do Instituto Locomotiva.
São mais pobres, endividados e têm o nome sujo
O perfil do apostador on-line no Brasil é formado em sua maioria por homens jovens e de classes sociais mais baixas, segundo a pesquisa do Instituto, realizada em agosto. De acordo com o estudo, 40% dos jogadores têm entre 18 e 29 anos e 80% deles pertence às classes C, D e E.
O mesmo estudo apontou ainda que cerca de 86% das pessoas que apostam estão endividadas, onde 64% delas têm seus nomes negativados em serviços de proteção ao crédito.
Quando perguntados sobre a principal razão para apostar, “ganhar dinheiro” foi o principal motivo apontado por 53% dos entrevistados – mais que o dobro da segunda colocada, “diversão/entretenimento/lazer” (22%) e bem acima de “emoção e adrenalina” (10%), “passar o tempo” (7%), “curiosidade” (6%) e “aliviar o estresse” (2%).
O perfil dos apostadores em bets:
► 53% são homens, contra 47% de mulheres
► 40% têm entre 18 e 29 anos, 41% são da faixa etária de 30 a 49 anos e 19% são 50+
► 80% dos apostadores são das classes CD e E; apenas 2 em cada 10 são das classes A ou B
O vício em apostas e a saúde mental
O desejo incontrolável pelos jogos de apostas tem nome: Ludopatia. Definido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como a impossibilidade de resistir ao impulso de jogar, o transtorno é registrado no Brasil pelos CIDs 10-Z72.6 (mania de jogo de apostas) e 10-F63.0 (jogo patológico).
O funcionamento da ludopatia tem um mecanismo semelhante ao de outros vícios, como a dependência química em álcool e drogas. O ato de jogar ativa sistemas de recompensa do cérebro, que liberam dopamina, um hormônio neurotransmissor responsável pelas sensações de prazer e satisfação, a partir do momento em que se joga ou aposta.
A pressão constante causada pelas perdas, aliada à busca pela recuperação do dinheiro perdido trazem impactos sérios à qualidade de vida de boa parte dos apostadores. Não para menos, as pessoas ouvidas na pesquisa do Instituto Locomotiva relataram que o ato de apostar:
► Aumenta a ansiedade – 51%
► Causa mudanças repentinas de humor – 27%
► Gera estresse – 26%
► Provoca sentimento de culpa – 23%
O outro lado da banca
Os apoiadores dos jogos de apostas no Brasil defendem uma regulamentação cada vez maior da atividade, enquanto chamam a atenção também para os números superlativos do segmento em termos de faturamento.
Somente em 2023, projeções do IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável), apontavam que o setor previa um faturamento na casa dos R$ 12 bilhões. O próprio Instituto chama a atenção para uma forma responsável de se jogar e apostar, levando em consideração algumas boas práticas para quem quer apostar:
► Definir um orçamento controlado, estabelecendo limites para apostas e perdas
► Conhecer o mercado de apostas, a plataforma e as cotações disponíveis
► Limitar o tempo de jogo, evitando a prática diária e encarando-a sempre como diversão
Sente que você ou alguém precisa de ajuda? Esses canais podem ajudar
Culpa, frustração, isolamento e medo de se abrir. Quem está enfrentando problemas com a compulsão pelos jogos de apostas pode carregar um misto de sentimentos negativos, que os impede de procurar ajuda especializada.
A boa notícia é que existem diversos canais gratuitos e abertos. Mantidos pelo governo ou através de entidades independentes, serviços como o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), CVV (Centro de Valorização à Vida) ou o JA (Jogadores Anônimos), oferecem suporte especializado para acolher, ouvir e tratar anonimamente quem precisa de ajuda.
CAPS: mantidos pelo Ministério da Saúde, oferecem serviços de saúde mental especializados à toda comunidade. Para saber quais são os disponíveis na sua cidade, consulte o site da prefeitura.
CVV: a entidade funciona 24h, todos os dias, e oferece apoio emocional a quem passa por dificuldades. Atende pelo telefone 188, por e-mail e também presencialmente.
Jogadores Anônimos: sediado em São Paulo, o grupo de apoio atua há mais de 30 anos no suporte e no auxílio de pessoas viciadas em apostas. Os atendimentos podem ser feitos pelo Whatsapp no (11) 995716942.